Confira como foi a edição argentina do festival
Creamfields, que aconteceu no dia 10 de novembro de 2012
No último fim-de-semana, fomos à Buenos Aires para conhecer o famigerado Creamfields
da cidade, o maior festival de música eletrônica da América do Sul.
Porém, para o review ficar mais completo, terei que extrapolar os
limites do evento e falar um pouco sobre a cultura local.
É um senso comum entre os brasileiros que os argentinos são mais "culturalmente ativos"
que nós: a valorização do tango como cultura nacional, o cinema de
altíssima qualidade, a grande quantidade de teatros, museus e óperas na
cidade, as leis que obrigamos TODOS os bairros a terem no mínimo uma
biblioteca e uma livraria… Enfim, eles podem ter uma economia muito mais
acabada que a nossa, mas até o mendigo da esquina valoriza cultura como
uma das coisas mais importantes que existem.
E isso se reflete na EDM: em BsAs, não existe uma
segregação entre "música normal" e "música eletrônica". Ao conversar com
os locais, desde recepcionistas de hotel até guias turísticos, nota-se
que para eles o Creamfields é um grande evento benéfico para a cidade,
assim como o Rio de Janeiro trata o Rock In Rio, ou São Paulo trata o
Lollapalooza. Ao entrar em lojas na cidade, todas as rádios-ambiente
tocavam música eletrônica, mas não as Guettadas de 4 minutos que rolam
na Jovem Pan: DJ sets mesmo, de big room, techno, prog house e outros
estilos. E falando em rádio, o palco ENTER. (do Richie Hawtin) foi
patrocinado pela Delta FM, uma rádio local.

Pois bem, já que tocamos no evento, vamos a ele de uma vez. Cerca de 50 mil pessoas
estiveram no Autódromo de Buenos Aires, para presitigiar algumas das 64
atrações que tocaram nos 8 palcos que foram montados. Ao entrar na
festa, a primeira coisa que chama a atenção é a ausência de decoração:
apesar dos palcos patrocinados (ENTER., Cocoon Heroes e Speeed
Unlimited) terem tido algumas "pirinhas" envolvendo videomapping e
projeções, não chegou nem aos pés das Tribaltech e Kaballah
que temos por aqui. O evento todo tinha a cara e a dinâmica de um show
de rock. Desde os horários, as estruturas e o próprio local aonde foi
realizado, dentro da cidade, tudo lembrou um Rock In Rio ou Lollapalooza
da vida. O palco principal, o maior que já vi em festival de EDM até
hoje, tinha um sound system absurdo e o painel de LED com a maior definição que já vi.
Era tão bom que até valeu a pena se sujeitar a ver 20 minutos de David
Guetta só pra apreciar o trabalho incrível que o VJ estava executando.

Guetta que, aliás, dá vergonha de ver.
Um senhor de 46 anos, que tem mais de 20 anos de estrada na história da
música eletrônica e muito já contribuiu para o crescimento do house,
hoje toca remixes de pop americano (Akon, Rihanna e afins), enquanto faz
coraçãozinho com as mãos para o público. Lastimável o que o dinheiro
não faz com uma pessoa… Sei que é algo que todos já sabíamos, mas eu
precisava ver com meus próprios olhos pra comprovar e criticar aqui.

Falando agora de música e músicos de verdade, a festa estava repleta de artistas que são "semi-deuses" no Brasil: Richie Hawtin, Sven Vath, Dubfire, James Zabiela, entre outros. De todos eles, o melhor sem dúvidas foi o papa Sven.
A impressão foi que ele fez um "compacto" do seu set de 9 horas na
Kaballah: 2 horas de pura música dançante, envolvente, com mixagens
perfeitas. Uma obra-prima! Os outros, cada um "pisou na bola" de alguma
forma: Hawtin foi longe demais em suas misturas de vários decks. A
música ficou desconexa demais, com mais cara de Plastikman do que de
Hawtin. Friamente analisando, ainda é um som excelente, mas para o
contexto não foi legal. As pessoas não esperavam isso, e a super-lotação
do palco ENTER. quando ele tocou não ajudou também. Zabiela foi traído
pelo sound system: seu set estava muito bom, mas por algum motivo os
graves da Cream Arena falharam na sua vez de tocar, e o público não
conseguiu curtir o som. Já Dubfire pecou pelo excesso de sutileza. Em
seus long long sets no Warung funciona pois ele tem tempo pra trabalhar o
público, mas as duas horas que ele tinha no Creamfields não foram
suficientes para criar o clima ideal: acabou parecendo um som repetitivo
demais.

Falando em novos nomes, provavelmente a melhor revelação foi Matador: a nova cria da Minus tocou um set de apenas uma hora, mas foi o suficiente para mostrar seu valor. Músicas com muita personalidade
e com uma aceitação muito boa da pista. É um nome para se observar e
torcer para vermos no Brasil em 2013! Além deles, tivemos também boas
apresentações de gente como Hernán Cattaneo, Mathias Kaden, Art
Department, entre outros que já são velhos conhecidos do povo do sul do
Brasil. Até o Infected Mushroom se apresentou lá com sua banda, em um
palco psytrance bem divertido, com alguns artistas locais de muita
qualidade.

Artistas locais que, aliás, foram muito valorizados pelo evento: todas as pistas tinham DJs argentinos,
isso sem contar no Speed Unlimited Stage, que era só de locais (algo
como o Track Top Stage da Tribaltech). Na pista principal, alguns grupos
fazendo lives criativos, como um que usou uma Reactable, e outro que
era uma banda com instrumentos e sintetizadores. Por mais que o som não
fosse de nosso agrado, foi interessante ver o reconhecimento que a organização do evento teve pela cena local, mesmo sendo uma franquia inglesa.
Voltando à estrutura do evento, outro ponto que merece críticas é o bar e a praça de alimentação: extremamente desorganizados,
e com preços "sem noção": uma água custava 20 pesos (o equivalente a 8
reais), o mesmo preço de uma lata de energético, porém, haviam alguns
"pontos de hidratação", aonde era feita a distribuição gratuita de água.
Não eram de fácil acesso e jamais supririam o volume de atendimentos do
bar, mas era uma opção para quem quisesse economizar. A Quilmes estava
sendo vendida a 35 pesos: módicos 14 reais por uma cerveja! Destilados
sequer estavam sendo vendidos no bar comum - apenas a área VIP tinha
este privilégio. Para alimentação, pouquíssimas opções: salgados, que
acabaram no começo da festa, e um pão com hamburguer (só isso mesmo, nem
queijo tinha) que custava o equivalente a 8 reais.
Por outro lado, a segurança foi muito tranquila:
a revista foi totalmente respeitosa, e dentro da festa os seguranças
eram prestativos e bem humorados. Vale lembrar que na Argentina não é
crime fumar maconha e portar pequenas quantidades, o que deixou a festa
com o cheirinho característico de shows de reggae.

E porfim, o ponto mais surpreendente e positivo: o público.
Tentem lembrar a festa com o público mais empolgado e feliz que vocês
foram no Brasil. Pensaram? Este com certeza era muito mais. O que
pode-se ver é que na Argentina as pessoas vão para a festa com o intuito claro de se divertir,
e não se importar com aparências ou preconceitos, mesmo sendo um
festival com sonoridades comerciais. Todas as pessoas dançavam com
vontade, com sorrisos no rosto, pulavam, gritavam e até cantavam junto
quando existia vocal! Até mesmo os apitos e bexigas de gás, que no
começo causam estranheza e irritam, depois de um tempo você acostuma-se a
eles e passa a achar divertido também.
No fim, a conclusão a que se chega é que sim, o Creamfields é o maior festival da América do Sul, mas ainda está longe de ter a estrutura de um europeu.
A viagem valeu a pena pela quantidade de DJs de ponta que pudemos ver
em um único dia, e pelo público, que fala menos e dança muito mais.
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